Teoria de Level Design – 2. Vida e Morte

Então jogar Sonic é isso: ter um objetivo maior estabelecido pelo jogo e persegui-lo em uma direção rasa da qual o jogo tenta constantemente te tirar com fatores de risco e recompensa tentando influenciar seu comportamento.

O principal fator de risco é aquele que afeta diretamente seu progresso, te fazendo voltar até determinado ponto – às vezes até o começo. Esses fatores estão presentes em oposição a desafios que levam até recompensas que inibem esses mesmos riscos, forçando o jogador a desenvolver, de uma for a ou de outra, o uso eficaz e criativo das ferramentas que tem. Algo que, no fim, costuma se chamar habilidade.

Mas o mais interessante é como o risco influencia o level design. A frustração é tipicamente parte indispensável do sentimento de vitória que algum jogo passa – mais notavelmente em jogos onde o melhor fracasso é o único limite a ser ultrapassado, como os arcades. O modo como o jogo explora a falha em relação ao progresso é muito importante porque, então, sobreviver se torna um objetivo adicional do jogo e o torna muito mais profundo.

Retomemos, por exemplo, o caso dos itens acima dos loops.

 Primeiro loop-de-loop em Sonic 1

O escudo acima do loop é um estímulo para saber como chegar até ali, mas a força desse estímulo é proporcional ao perigo que o jogador encontra mais para frente na fase. Isso significa que o estímulo positivo para desviar o jogador do comportamento natural não faz sentido sem o estímulo negativo.

É por isso que não adianta construir um ambiente diverso, com muito a ser explorado, se o jogador não for forçado a buscar alternativas. A analogia que pode ser feita é a seguinte: se você quer que uma criança coma brócolis, não é suficiente deixá-la visitar o amigo depois ou ameaçar nunca mais deixá-la brincar com seu brinquedo favorito. É preciso fazer com que brócolis seja a única opção caso ela queira comer, que é algo diretamente relacionado ao brócolis.

Como resultado, a profundidade que a morte traz ao level design está fundamentalmente em checkpoints, que marcam e asseguram seu progresso. Eles são pontos de interesse por natureza, mas observe o que eles fazem com a percepção do jogador sobre o level design:

 Primeiro checkpoint na Green Hill

 Esse é o checkpoint diretamente anterior ao loop supracitado. Perceba que há uma plataforma flutuante acima dele, mas, como não há nada além disso estimulando que o jogador desvie seu caminho e é muito difícil o jogador estar parado a essa hora, é apenas natural acreditarmos que ele vai continuar em frente. Ele então encontrará o loop e o escudo em cima, podendo se perguntar como chegar até ali. Ele pode até conectar os pontos já nessa hora, mas o que o fará concretizar a exploração vai ser a ocasião da morte, que vai fazer com que ele volte a esse poste. Com isso, o acesso ao escudo fica claro e concretiza a mudança no comportamento do jogador, que agora tem em vista evitar essa mesma morte.

Outro caso que nos interessa é o da morte que define qual será seu próximo curso de ação, limitando as possibilidades do jogador para que ele encontre mais riscos pela frente.

Se existe uma área que só pode ser acessada com uma construção bastante longa de momentum e manutenção da velocidade, mas há um checkpoint no meio do caminho, o jogo impõe que essa mesma sequência não pode ser repetida caso o jogador falhe e morra. Esse tipo de movimento geralmente está ligado a recompensas bastante atrativas, como monitores de vida, ou um conjunto muito grande de anéis.       Mas o mais importante é que essas recompensas costumam ser fins em si mesmos, agindo somente como estímulos positivos. O primeiro exemplo com que o jogador se depara costuma ser esse:

 Os famosos túneis em S

            Essa é uma sequência de dois túneis em S (não muito depois do loop com o escudo em cima) com um poste no meio. Da primeira vez, você passa pelos dois túneis e é lançado pra cima de modo que atinja uma grande quantidade de anéis de uma vez. Mas, se morrer, volta para esse ponto e só pode pegar um túnel, o que, apesar de te colocar no mesmo caminho de antes, não te possibilita pegar esses mesmos anéis.

Aí há dois equilíbrios muito delicados sendo feridos, no entanto. O primeiro diz respeito exatamente ao fato de que, como essa sequência se encontra logo depois do loop, há pouca possibilidade de o jogador morrer antes de encontrar esse último poste.

A segunda, muito mais complicada, diz respeito aos anéis.

Itens coletáveis são vistos em muitos jogos de plataforma e servem em vários propósitos: o primeiro, na estrutura: eles podem servir de “migalhas de pão” que mostram um caminho possível de ser seguido onde isso normalmente não poderia ser visto, como em buracos e passagens secretas. Segundo, no que diz respeito ao desempenho, eles são pontos de interesse sozinhos porque, por serem coletáveis e não estarem diretamente relacionados com o progresso do jogo, só dependendo do interesse do jogador pegá-los para gahar vantagens. Terceiro, eles podem ser usados como peças para obrigar o jogador a explorar: se há uma passagem que demande 50 desses itens coletáveis para ser aberta, o jogador é obrigado a sair do caminho natural para procurar mais deles. Não é a melhor solução por ser um estímulo totalmente artificial e que quebra o fluxo do jogo, forçando repetição e comportamentos anti-intuitivos. Mas o problema de Sonic – embora também um recurso brilhante – é que esses itens coletáveis, os anéis, fazem parte do sistema de vida.

Não se trata somente de pegar 100 anéis para conseguir uma vida, como em Mario. O que acontece é que anéis soltos em um caminho pode ser um estímulo positivo muito eficaz porque mesmo apenas um te protege de morrer. Então a segurança contra perigos está mais ou menos em todo lugar, tendo eles então funções a mais. Entretanto, essa função específica os torna uma recompensa em si mesma, o que – como sabemos – está associada à frustração em si mesma.

Então quando  jogador morre e tem seu acesso a essa segurança contra mortes negada, temos um agravamento dos estímulos negativos ao jogador. Morrer torna morrer mais fácil enquanto sobreviver torna sobreviver mais fácil. É mais um fator muito interessante que obriga o jogador a ter cuidado com o recurso que lhe é oferecido, a velocidade, além de dar outro aspecto à dificuldade do jogo – ela se agrava duplamente à medida que sua habilidade não avança junto com a fase. Mas, por outro lado, torna absolutamente necessário que o jogo não te faça falhar por algo que não seja estritamente culpa sua. Molas que te jogam para cima de espinhos, e sequências que te tiram do controle do personagem não têm nenhum efeito positivo sobre a curva de aprendizado do jogador.

É por isso que, em certo sentido, o level design de Sonic sempre foi, na medida do possível, “franco” com o jogador. Não tentava enganar, não havia armadilhas. O desafio do jogo é sempre difuso, não direto. Esse tipo de dificuldade era reservado aos chefões (ou bosses).

Existem, no entanto, infinitas possibilidades para desvirtuar a sensação de segurança de um jogador sem cair no problema da injustiça. Isso se dá, novamente, por meio de dilemas. É por isso que é comum que em vez de se colocar um badnik “guardando” a entrada de uma seção com mais perigos e com menos possibilidade para ganhar velocidade, para que o jogador queira ir por outro caminho mais difícil de alcançar, há uma aparente recompensa. Isso é particularmente comum em fases como Sandopolis Act 2 e Marble Zone. É por isso que essas fases são consideradas “lentas” e “anti-jogo”, ou seja, favorecem a fase na contradição fundamental de Sonic: elas tendem a puxar o comportamento do jogador para dentro dessas seções complicadas, em vez de usá-las simplesmente como punição para os jogadores que não desenvolveram sua habilidade.

E agora, assim, algo mais pessoal. Uma ideia, vá. Um recurso ainda não explorado, mas que eu gostaria de ver: em determinada fase e apenas como funcionalidade específica, postes de checkpoint te levariam para outros caminhos automaticamente, os quais facilitiriam por sua própria estrutura o progresso do jogador. Isso vai contra toda a noção de risco e recompensa, colocando os dois extremos no mesmo lugar e na mesma ação. Mas vejo isso como um dilema válido de se aplicar ao jogador, fazendo com que ele considere a possibilidade de usar sua própria vida como recurso para ir para frente, assumindo o risco maior de ter menos vidas nas próximas fases em troca de passar dessa rapidamente.

2 comentários sobre “Teoria de Level Design – 2. Vida e Morte

  1. Você gosta do Mario Bros por isso odeia Sonic eu gosto do Sonic e também pouco do Mario Bros tchau

  2. Você gosta do Mario Bros por isso não gosta
    Do Sonic eu gosto do Sonic e também pouco do Mario Bros tchau

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